sexta-feira, 12 de novembro de 2010

MONTILLO O ÍDOLO AZUL CELESTE

Do gol contra ao gol por cobertura: Montillo, o esquilo que virou raposa

Lance cômico similar ao que eliminou o Fla da Libertadores chamou a atenção na infância. Ele contou com a proteção do pai para vingar no futebol

Por Cahê Mota Direto de Buenos Aires

header dossie argentina montillo

Quando deixou Juan para trás, ele viu uma avenida em sua frente, partiu em disparada e, com muita classe, tocou por cima de Bruno. Aos 27 minutos do segundo tempo de partida realizada no dia 20 de maio deste ano, Walter Damián Montillo não tinha a exata noção da porta que abria na sua vida. A corrida enlouquecida para celebrar com os companheiros no estádio Santa Laura, em Santiago, no Chile, explicava-se por encaminhar a classificação do Universidad de Chile - diante do Flamengo - para a semifinal da Libertadores.

Mas o lance representou muito mais do que isso para a carreira do apoiador. Valeu a transferência para o “país dos melhores” e onde, segundo seu próprio pai, encontraria seus semelhantes futebolisticamente. Procurado pela vítima rubro-negra, optou pelo Cruzeiro. Desembarcou, aos 26 anos, há poucos meses em Belo Horizonte e teve de imediato a certeza de que ser uma raposa é muito melhor do que ser um esquilo.

Montillo carreira Montillo em três momentos: vestindo a camisa do San Lorenzo e com o sobrinho no colo, festejando título no Universidad de Chile e na infância em Lanús (Foto: arquivo pessoal)

Isso mesmo, esquilo. Porque por onde você passe em Buenos Aires poucos conhecem Montillo, que defendeu por cinco temporadas, desde a base, o San Lorenzo. Mas certamente já ouviram falar da “Ardilla”, tradução em castelhano para o pequeno animal roedor. Pelo porte físico e estilo rompedor com a bola no pé, seja o direito ou esquerdo, o apoiador recebeu este apelido assim que se profissionalizou no futebol argentino, aos 17 anos. Sua história no esporte, entretanto, começou bem antes, ainda na infância. Mais precisamente quando, com apenas quatro anos, fez um gol muito similar ao que o transformou em carrasco do Flamengo, mas com um “pequeno” detalhe: foi contra.

Sem desmerecer os outros, Walter (o filho) sempre foi diferente dos demais. Tinha algo especial. Todos tinham velocidade, disposição física, mas ele tinha inteligência"
Walter, pai de Montillo

- Eu me lembro que uma vez tive a curiosidade de ir vê-lo jogar e fiquei impressionada em perceber como tinha talento. Foi numa sexta-feira. Já no sábado tinha uma partida, e o levei. Foi a primeira partida que Walter jogou. Fiquei muito nervosa. E ele atuava como adversário de três amigos do bairro. Até que fez um golaço bárbaro, um chute lindo do meio da quadra. Só que todo mundo começou a rir, e apenas ele celebrava, corria e beijava a camisa. O gol foi contra (risos). Walter comemorava com os amigos, mas que eram adversários. Foi a grande atração do dia - recordou a mãe do cruzeirense, Marta Montillo.

O lance cômico aconteceu em seu primeiro clube, o Defensores de Arena, em Lanús, na grande Buenos Aires, cidade onde nasceu. Lá permaneceu até os 10 anos, sempre com a companhia e apoio do fã número um: Seu Walter, pai coruja e superprotetor.

- Sem desmerecer os outros, Walter (o filho) sempre foi diferente dos demais. Tinha algo especial. Todos tinham velocidade, disposição física, mas ele tinha inteligência. Já sabia o que fazer com a bola antes mesmo de recebê-la. Além de tudo, sempre foi doce, respeitava os técnicos, era bom companheiro - conta.

Para o pai, futebol só por diversão

O encantamento com o talento do filho era tanto, que Walter, funcionário do setor administrativo do fórum da cidade, criou com amigos o clube Lanús Noroeste para receber seu camisa 10 preferido, após curta passagem pelo Quintana. Era uma forma de ter Montillo sempre por perto e distante dos inúmeros empresários que o procuravam para testes com equipes profissionais.

Montillo carreira Retrato mostra recordações de Montillo e a esposa
em Búzios (Foto: Cahê Mota/Globoesporte.com)

- Eu nunca quis deixar que ele fizesse teste em clubes. Se o chamassem para ir mesmo que fosse para Mar Del Plata, Walter iria, pois sua paixão sempre foi o futebol. Mas aqui as divisões de base são muito competitivas. Não se fazem amigos, se fazem inimigos. Há muita pressão. Sempre preferi que ele se divertisse. Isso era o mais importante. O compromisso era algo só para mais adiante.

A preocupação maior era com que o futebol não se transformasse em um fardo para o filho e seguisse sendo uma brincadeira. De família de classe média, o camisa 10 do Cruzeiro nunca passou por necessidades e tinha a “pelota” como um passatempo prazeroso e que, ao mesmo tempo, o transformava em um jovem responsável e disciplinado.

O sonho de viver do esporte que amava, por outro lado, criava um trevo na cabeça de Montillo, que não aprovou de cara a iniciativa do pai. Como argumento, Walter impunha limites e dizia que, se realmente tivesse talento, novos convites surgiriam na hora certa.

- Na época, ele não gostava, mas com o tempo me agradeceu. Era normal receber convites, mas eu sempre dizia não, não, não. Se ele tinha condição de jogar, não precisava apressar. Era algo que aconteceria mais para frente. Muitos jovens que jogam as divisões inferiores aqui na Argentina já chegam ao profissional estourados.

Montillo carreira famíla Montillo ao lado dos pais (Foto: arquivo pessoal)

E a profecia do genitor se transformou em realidade. Figura máxima do Lanús Noroeste até os 14 anos, Montillo já não cabia mais nas quadras de futsal em que jogava e necessitava de algo maior. Foi quando se transferiu para o Villa Modelo, clube que defendeu por dois anos até que, enfim, recebeu o aval para tentar a sorte no mundo competitivo. A primeira oportunidade surgiu como um sonho.

Levado pelo padrinho, a quem sempre considerou o melhor amigo, o meia fez uma peneira no River Plate, equipe pela qual torcida. O resultado, porém, não foi dos melhores.

- Meu irmão, que era o padrinho de Montillo, foi quem o motivou a torcer pelo River. Era fanático. Foi quem sempre o levou para as partidas desde muito pequeno e conseguiu uma oportunidade para um teste no clube. Foi quando permiti pela primeira vez. Existiam 200 jogadores e, ao término do treino, o técnico o chamou e disse que tinha uma condição bárbara, mas que viria um outro garoto de fora, não teria espaço e não ficaria.

A frustração não abateu o adolescente de 16 anos, que precisou de apenas uma semana para se refazer e tentar a sorte em outro grande argentino: o San Lorenzo. Dessa vez, não foram necessários mais do que alguns minutos para que fosse não somente aprovado como chamado para treinar imediatamente entre os juvenis. Aí, sim, sonho realizado e estratégia traçada por Seu Walter cumprida com sucesso, certo? Não.

O período no futebol amador impediu que Montillo pegasse os vícios e malícias das competições. Ele chegou ao “Ciclón” zerado, sem lesões, pronto para brilhar, mas com um problema: nenhum preparo físico.

- Tecnicamente, Montillo sempre esteve muito bem, mas fisicamente era zero. Como nunca tinha estado em categoria de base, a diferença era como se os companheiros fossem aviões e ele um carro. Por isso, levou seis meses fazendo trabalhos específicos até que jogasse pela primeira vez. Nada, porém, o deixou desanimado. Jogar futebol era o mais importante desde sempre. Na infância, por exemplo, se eu o colocasse de castigo sem jogar, queria me matar.

Sensação na base, disputa Mundial Sub-20 na vaga de Conca

Passado o período para que chegasse ao mesmo nível dos demais, Montillo viveu uma temporada perfeita pelo San Lorenzo, em 2001. Membro de uma geração que tinha, entre outros talentos, Pablo Zabaleta (hoje no Manchester City), ele era um dos principais nomes da equipe que virou mania nas divisões de base da Argentina. Chamada de “Sexta Sinfonia” por jogar a sexta divisão, espécie de juvenil no Brasil, estampou jornais, fez sucesso e, em 2002, com apenas um ano e meio de clube, foi chamado para integrar os profissionais.

Nos primeiros meses, as poucas oportunidades até eram normais e foram compensadas pela convocação para integrar a seleção sub-20 que disputou o Mundial da categoria nos Emirados Árabes, em 2003. Testado, por pouco não ficou fora da competição, mas fez parte da lista final graças à lesão de seu principal concorrente, um apoiador que reencontrou em gramados brasileiros e que conhece bem.

- Por conta da lesão de Darío Conca, Walter foi convocado para o Mundial. Os dois são amigos, na época até se falaram pelo telefone - contou o pai.

Montillo carreira primeiro troféuAinda criança, Montillo exibe o primeiro troféu de sua carreira (Foto: arquivo pessoal)
Para mim, seu melhor momento é no Cruzeiro, onde joga mais solto. Em 'La U', ainda tinha que marcar um pouco. Com Cuca, tem liberdade, joga contente"
Walter, pai de Montillo

Na competição na Ásia, teve como companheiros Mascherano e Herrera, atacante do Botafogo. Titular em algumas partidas, Montillo teve boa participação na disputa, mas a Argentina ficou com a quarta colocação, após ser derrotado pelo Brasil nas semifinais, e o retorno para casa não foi como esperado. Com Néstor Gorosito como técnico, a “Ardilla” até teve boas chances e ajudou o San Lorenzo a ficar com a terceira colocação no Campeonato Argentino de 2004, mas a melhor recordação vem do dia em que foi relacionado pela primeira vez para o banco de reservas e agradeceu ao pai por todas as orientações até a realização do sonho.

- No San Lorenzo, ele sofreu muito. Por inúmeras vezes ficou sem sequer ir para o banco e não entendia o motivo de não ser aproveitado. Foi preciso ter muita força e ele sempre lutou. Um dia inesquecível foi quando (Manuel) Pellegrini (chileno, hoje técnico do Málaga) pela primeira vez o convocou para jogar na Primeira Divisão. Walter saiu para treinar normalmente, voltou com uma bolsa com todos os uniformes do time de cima e disse: “Pai, vou enfrentar os Estudiantes”. Nos abraçamos e choramos.

No Ciclón foram 36 partidas e dois gols em pouco mais de três anos como profissional. Neste período, uma passagem rápida pelo Morellia, do México, foi atrapalhada pela altitude, apesar de ter sido titular e entrado em campo 25 vezes (três gols). Até que, finalmente, a promessa virou realidade. Longe de Lanús, longe de Buenos Airens. Em Santiago, no Chile.

Contratado pelo Universidad de Chile, Montillo encontrou a sequência de jogos que tanto buscava e se tornou a principal figura. Por “La U”, conquistou títulos e brilhou na Taça Libertadores deste ano, competição vencida pelo Inter de Porto Alegre, mas que tem explicação para não ter ficado com os chilenos, na opinião do pai do cruzeirense.

- No Chile, ele teve continuidade e a chance de jogar livre. Foi quando cresceu o nível de seu futebol. Mas a parada para a Copa do Mundo foi péssima para “La U”. Tirou todo o ritmo. Quando voltaram para as semifinais, a concentração já não era a mesma, muitos jogadores estavam negociados. Foi algo que prejudicou muito.

Prejudicou a equipe, mas ajudou Montillo. Justamente durante o Mundial, o apoiador teve tempo para receber inúmeras propostas do Brasil e decidir pelo melhor destino. Recusou o Vasco. Recusou o Flamengo. Mas aceitou o Cruzeiro e encontrou um treinador que lhe deu o que sempre buscou: liberdade para ser feliz em campo.

Montillo carreira pais casaWalter e Marta exibem foto de Montillo em "La U"
(Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)

- Para mim, seu melhor momento é no Cruzeiro, onde joga mais solto. Em “La U”, ainda tinha que marcar um pouco. Com Cuca, tem liberdade, joga contente - acredita o pai.

Tal postura pode estar relacionada à identificação de Montillo com o futebol brasileiro. Habilidoso e criativo, encontrou empecilhos sempre que recebeu orientações para desempenhar funções defensivas em outras equipes. Algo que não acontece no Brasil, considerado sua terra natal pelo pai.

- Montillo tem o estilo do futebol brasileiro, é como se tivesse nascido nesse país. É o tipo de jogo que mais o agrada. Sempre tive a certeza de que teria sucesso no Brasil. Tomara que fique toda a vida por lá, ficaria mais feliz do que na Europa. Minha única reclamação é por não poder vê-lo jogar pela televisão (risos).

Seu Walter tem quatro rodadas para resolver o problema. Afinal, coruja e superprotetor como é, não gostaria nada de perder a oportunidade de torcer pelo filho na disputa do título do Brasileirão, que será decidido no próximo dia 5 de dezembro.

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